quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007


1 comentário:

Guilherme disse...

Caro José:


Subscrevo totalmente as palavras de Gomes Canotilho quando diz que a crise na formação dos magistrados é inseparável da formação jurídica em geral, e arrisco dizer de quase tudo. O meu diagnóstico não pretende ser apocalíptico nem “vaidoso”.

Enquanto recém licenciado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, creio estar no momento certo para avaliar a formação que é dada em geral nas faculdades de Direito.

A minha tese é de certo modo radical: A formação dada nas faculdades não compensa falta de jeito, de método ou de bom senso, quer em Direito, quer na maior parte das áreas. Isto é, o trabalho que é feito pela maioria dos advogados poderia ser igualmente desempenhado por uma pessoa com uma formação não jurídica integrada numa sociedade ou escritório de advogados.

Em conversa com muitos colegas de Direito, apercebo-me de uma crítica comum: “O Curso é pouco prático!” “Só estudamos Teoria!” Ou ainda, “Estudamos tantas matérias inúteis” (como a História, a Filosofia, a Sociologia, a Economia...).

Certo! Mas são estes mesmos colegas que não conseguem resolver um único caso prático, aqueles que perguntados no 5º ano sobre o que é uma portagem, respondem que é a casota com a picota. Aqueles que sentem muitas dificuldades nos primeiros tempos de escritório ou acham que só se aprende na vida prática.

Tudo muito bem, mas para tal não é preciso o curso! Bastariam 2/3 anos e estágio nas profissões jurídicas. De preferência tudo muito especializado para evitar queixas do género.

Creio que a maior e central falha do ensino do Direito, se prende com um dos problemas abordados por Canotilho, a adequação teórico-prática. Mas esclareça-me, o Direito não é adequação ao caso? É só isso, ao Caso e ao restante da Ordem Jurídica! Ora se as faculdades não conseguem transmitir isso, que fazem elas? Como é que (caso real) 99% dos alunos responde em Direito Administrativo a um caso de Direito Privado como se fosse Direito Administrativo só porque essa era a cadeira? Ou porque é que perante um exame de Direito das Obrigações, também 95% dos alunos escreve na primeira frase que este é um caso de Direito das Obrigações, sem mais. Ora isto tudo resulta da falta de método! O método, atenção não é tudo, mas é certamente o que distingue o discurso do Direito. O que sinto é que se fizer agora um doutoramento e voltar à advocacia, um Doutoramento em Filosofia me é tão útil como um em Direito Comercial, creio porque adquiri as capacidades para analisar o Direito, e não apenas o Direito positivo. De resto de que serve estudar Direito do Consumo na Faculdade? ou Direito da Contabilidade ou todas as outras cadeiras começadas por Direito? Na realidade, acho que há um número óptimo de cadeiras destas a ser feitas, depois de ultrapassado este, nada se retira de novo, que não possa ser retirado autonomamente. Direito do Consumo passará a dar uma vez mais acesso às suas fontes e leis, Direito do Trabalho à história, às fontes...Não condeno quem as faça (eu fiz Direito do trabalho), apenas creio que muitas cadeiras de opção são importantes para desenvolver o raciocínio do estudante e fazê-lo sentir que a lei não é sagrada, nem é tudo. Que interiorizar o raciocínio económico pode ajudar a perceber porque é que o vinculismo no arrendamento destrói o propósito da sua intervenção: o mercado ajusta-se subindo as rendas e imobilizando o mercado das mesmas...

Tenho dúvidas que trabalhar casos práticos como se faz hoje traga grandes proveitos à futura vida prática, porque não são em número suficiente para que se adquira um método e uma abordagem estável. Não sei sinceramente se um ensino teórico em que se percebesse o que está por detrás do raciocínio jurídico não produziria os seus frutos. Relembro o meu estágio de Verão em que sempre senti um à vontade grande (salvo em escrever petições por falta de gosto) em boa parte pela minha vasta cultura teórica. Creio que olear a mente no Direito é olear a analogia, a abertura do raciocínio a casos sem solução expressa mas com “qualquer coisa em comum”.

Portanto, muitas vezes creio que nas aulas e mesmo nas conferências não se faz nem uma nem outra coisa. Por exemplo num seminário em 2006 sobre o Arrendamento Urbano na Nova, deu para perceber que grande parte dos advogados confundem conceitos e noções estruturantes de processo civil e direitos reais, entre outros; o que afecta a sua compreensão dos casos. Mas os professores muitas vezes baixam o nível das suas intervenções caindo num mar de banalidades e nenhuma utilidade prática porque a abastração é tão grande que de nada serve sem se ganhar ainda com complexidade científica. Aliás se reparar, nenhum manual português responde às questões teórico-práticas mais relevantes, o que enquanto aluno me fez sentir muitas vezes incompetente, até me emancipar dessa pretensa “autoridade”.

Exemplo: Abordo agora num trabalho a questão da excessiva onerosidade da prestação do Devedor Inadimplente na empreitada. Linhas escritas sobre o assunto...3, 4. Apesar das milhares sobre obrigações em geral.

Exemplo2: Lê um matéria qualquer, em regra o debate do Direito está parado. Os artigos dizem todos a mesma coisa e referem-se entre si. Lembro-me de um trabalho que fiz sobre garantias, cauções, seguros num contrato de concessão! O grau de profundidade dos artigos é todo igual, sobretudo na adequação teoria – prática.

Por agora é tudo.
Se quiser e tiver tempo, envio-lhe o texto de um trabalho sobre os julgados de Paz, que fiz. Nenhuma das minhas observções foi aproveitada, quer por um professor, quer pelo Conselheiro Cardona Ferreira que foi o convidado nessa aula e “abriu fogo” à nossa intervenção. Obviamente, que tal seria plágio, mas poderia ter sido o mote, talvez, porque foi reconhecida originalidade ao trabalho pelo próprio. Em vez disso, tem já uma dúzia de artigos sobre os julgados de paz e 2 ou três teses que continuam com o discurso tradicional da proximidade e de justiça diferente.

Cumprimentos.