sexta-feira, 15 de julho de 2011

Página Um- 1975


Entre todos os programas de rádio que ouvi durante os mais de quarenta anos que me lembro de os ouvir, há um que sobressai pela importância que revestiu na época em que descobria a música popular e numa altura em que todos os meses havia novidades que perduraram no teste do tempo.
O programa Página Um, só com o título dava um programa de discussão temática. Tirado de um nome em inglês- Page One- da autoria de um grupo de rock portuense, Pop Five Music Incorporated que incluía um Miguel Graça Moura que terá sido o autor do tema, o programa começara ainda nos anos sessenta, perdurando durante a primavera marcelista e comecei a ouvi-lo em 1974, salvo erro na altura em que passou Midnight at the oasis, de Maria Muldaur. Este tema lembra-me inapelavelmente o Página Um de 1974.
Com o 25 de Abril e o PREC, o programa alinhou moderadamente na propaganda comunista e de extrema-esquerda, com a passagem de temas musicais de feição abertamente esquerdista, mesmo comunista, da América do Sul ( Victor Jara, assassinado no ano anterior no Chile; Pablo Milanez, cubano; Carachu, chileno; Intillimani, chileno; Claudina e Alberto Gambino; Mercedes Soza; G.C.R. franceses; Quilapaion, Judite Reis; Carlos Andreu, da Expression Spontanée, entre outros, além dos portugueses do costume- GAC, V.L., José Afonso, Sérgio Godinho, etc.).
A par dessa agenda política o programa tinha um alinhamento fantástico que se pode ler neste pequeno apontamento acima transcrito com o programa de 15.1.1975.
Nesse dia começou " com o som reggae de Jimmy Cliff em Don´t let it die, um single" ( tal e qual como o locutor apresentou), depois de ter terminado o tema e após as batidas da bateria e do baixo do indicativo do programa que começava sempre às 7 e meia da tarde. Continuou depois com os Sparks do álbum Propaganda, Never turn your back ( nunca mais ouvi esse tema do mesmo modo que no rádio) e prosseguiu nesse dia com "Supertramp considerado como uma das maiores revelações da música rock e o álbum Crime of the Century".
No fim do tema, publicidade ( não apontei a quê) e logo a seguir um instrumental. O Página Um tinha quase sempre um tema instrumental em todos os programas. Neste caso, não identifiquei, mas podia ser de Deodato, por exemplo. Depois, a música de "intervenção". Eficaz. Depois do rock, a música de mensagem e logo depois um grupo brasileiro, o Quinteto Violado. E assim passava a primeira meia hora. Depois das oito da noite, recomeçava com Michal Murphy, um americano de country-rock e logo depois outro instrumental. Publicidade e "começo da divulgação mais ampla do 3º Lp dos Supertramp". E por aí fora até às 9 da noite.
Um regalo de programa que enchia as medidas de qualquer ouvinte exigente. Um alinhamento perfeito na mistura de géneros e temas e uma locução sóbria e apenas indicativa dos temas, músicos e informação mais pertinente e a propósito. Os locutores foram vários, mas em 75 era Luís Filipe Martins. Antes tinha sido Adelino Gomes ou José Manuel Nunes. E depois, durante o Verão quente de 75 chegou a aparecer Artur Albarran com uma voz um pouco irritante e cretina, mas a música sobrepunha-se a tal efeito .
Evidentemente, às 7 e meia da noite, quase na hora de jantar, o rádio era todo para o programa. Muitas vezes disse à minha mãe o habitual "já vou!", que chamava por mim ( Zé! Está na mesa...) por causa do jantar na mesa em baixo à espera e a arrefecer enquanto ouvia os acordes do órgão dos Sparks em Never turn your back on mother earth...ou o Standing in the rain de Johnny Nash. Ou I´ll play for you, dos Seals and Crofts que adorava ouvir. Ou até Maxime Le Forestier que cantava Mourir pour une nuit de um modo que me ficou no ouvido para os anos seguintes e para a cantar eu mesmo...porque é de um romantismo abissal.

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