sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Discos de Dezembro de 1974

No final do ano de 1974 ouvia muito rádio, particularmente o programa Página Um, conduzido então por Luís Filipe Martins. O apontamento supra respeita à última emissão desse ano, dedicada a uma espécie de apanhado do ano inteiro.
Nessa altura, o rádio era a melhor maneira de ouvir a música popular que me interessava porque os discos nem sempre chegavam às lojas e quando chegavam era com atraso de alguns meses. No mês de Dezembro de 1974, andava muito interessado na música dos Crosby Stills Nash & Young, cuja tournée, esse ano, em Londres dera muito que falar e escrever. Foi por causa disso que comecei a comprar a Rock & Folk, em Novembro, comprando também a do mês anterior e folheava as revistas várias vezes, lendo e descobrindo coisas da música que me determinaram o gosto. Dos Grateful Dead, capa de Outubro não conhecia quase nada porque os discos não passavam no rádio e nunca os vira nos escaparates. De Frank Zappa, com várias páginas nesse número tinha ouvido já alguns temas que achava fantásticos, eventualmente do disco ´Apostrophe. De Robert Wyatt, um inglês que passara pelos Soft Machine e já estava em cadeira de rodas depois de ter caído de uma janela alta, apresentava-se então o disco Rock Bottom, que não tinha ouvido mas já sabia ser um portento. E de um disco que então passava no rádio reunindo Kevin Ayers, John Cale, Brian Eno e Nico, June,1 1974. O grupo Refugee que também passava no rádio ( no programa de Fernando Balsinha, acho) e que integrava Patrick Moraz era então motivo de interesse em leitura.
Foi nessa altura que tomei conhecimento com os Sparks através de uma entrevista de Paul Alessandrini que deu a ouvir a Russell Mael temas musicais variados, em "blind test" para o mesmo comentar. Nunca tinha lido nada assim.
As imagens do concerto dos CSN&Y em Londres, da autoria de Jean Pierre Leloir ( qui d´autre?) eram fantásticas e a cor da madeira das guitarras acústicas dava vontade de ter uma, debruada a madrepérola. Na crónica dos discos havia Rory Gallagher e Irish Tour´74 que ouviria muitas vezes no Página Um, nos meses a seguir e que se tornou então um dos melhores discos ao vivo de sempre. Só nos anos 2000 arranjei o LP original. E John Lennon, de Walls & Bridges, cujo tema Whatever gets you thru the night é um dos que me lembra o Natal de 74 a par de #9 dream e de War Child dos Jethro Tull.
Pelo contrário do disco dos Steely Dan, Pretzel logic nada conhecia. Só muito mais tarde, lá para o início dos anos oitenta vim a descobrir tal preciosidade. Quanto ao Red dos King Crimson, esse foi dos que me despertou logo curiosidade porque gostava de ouvir Providence e outras. Era então um dos meus discos preferidos. A par do June, 1 1974.
Um disco de Joe Cocker, I can stand a litttle rain, tinha uma canção que passava no Página Um- You are so beautiful.
Foi a partir daqui, em finais de 1974 que a música popular se expandiu, para mim. Até então, os motivos de interesse eram relativamente estreitos e cingidos a certos músicos e a algumas músicas. Desde essa altura, porém, os horizontes alargaram-se sempre em expansão até meados dos anos oitenta em que esse mundo cósmico entrou em recessão e começou a contrair poupando a maior parte dos grupos e artistas que me interessavam em 1974 e nos anos a seguir e relegando para o esquecimento ou desinteresse todos os demais.
Simultaneamente, descobria a música popular brasileira- Milton Nascimento, Chico Buarque e Caetano Veloso, mais Gilberto Gil ( saiu nesse ano o disco fabuloso Temporada de Verão que tem "Felicidade", um tema fantástico) e a francesa com Serge Reggiani ( Tes Gestes) ou Georges Moustaki ( Portugal e Danse, por exemplo).
O ano de 1974 representou assim uma revolução no meu particular gosto musical e cedo se manifestou a tendência progressista ( ahahaha!) através de um gosto pronunciado pelo rock sinfónico, como se dizia então. Os Yes de Relayer e os Emmerson Lake and Palmer, também. Os Gentle Giant viriam dois anos depois, com a descoberta de Interview, mas os Van der Graaf Generator foi logo a seguir, com Godbluff e tornou-se o principal grupo de culto.

Em Dezembro de 74 a revista alemã Pop publicava esta publicidade aos discos então surgidos no mercado:

Os verdadeiros lp´s só mais tarde os arranjei, como aí estão, mas fazem-me sempre lembrar essa imagem da Pop, tal como esta imagem abaixo, da Rock & Folk de Outubro de 1974 me faz lembrar como gostaria então de ter uma aparelhagem de som como esta. Tudo num! Gira-discos, rádio, gravador de cassetes. E muitos botões a prometer regulações no som e equalizações fabulosamente imaginadas. Não sabia ainda que havia graduações na qualidade do som, em conformidade com os componentes e aparelhagens, mas este modelo servir-me-ia então às mil maravilhas- se o pudesse ter. E não podia...daí a fantasia que perdurava naquelas páginas da Rock & Folk, tal como se produzia ao ler os textos de recensão crítica dos discos com imagens da capa e que eram já de alguma forma ouvidos, só de os ler...
Esse tempo de alguma fantasia e encantamento sonoros, ficaram para sempre na memória e de um modo tão marcante que nunca mais houve outro assim.
Tal como Milton Nascimento cantava no álbum Minas, na canção Saudades dos aviões da Pan-Air, "cerveja que tomo hoje, é apenas em memória dos tempos da PanAir", assim a música dos Roxy Music, do disco Country Life é apenas a que tenho em memória desse tempo. Já ouvi os cd´s rematrizados e sem o ser; já ouvi várias prensagens do LP e não é a mesma coisa. O som que hoje ouço, com a qualidade toda de uma aparelhagem de alta-fidelidade não é o mesmo que ouvia num rádio Grundig em monofonia e a escutar os últimos compassos de The Thrill of it all ou All i wat is you.
O mesmo se passa com o lp dos Led Zeppelin, Physical Grafitti, de 75. O som de hoje não me repõe o que tenho em memória dessa época e não é truque do tempo. É mesmo um truque do som, porque há outros discos que ouço como se fosse então e ainda outros ( Bob Dylan e Blood on the tracks, por exemplo; ou I´ll play for you dos Seals & Crofts) ) que ouço muitíssimo melhor agora. Melhor, em qualidade intrínseca do som. Portanto, algum fenómeno ocorreu: ou os lp´s que tenho não são tão bons como os que passavam no rádio de então ou o efeito sonoro desses lp´s era mais eficaz em monofonia. É caso estranho para resolver com tempo. Isso já me conduziu a arranjar várias versões do mesmo disco e por vezes fico satisfeito. Outras, ainda não. O último disco que me preencheu todo o espectro sonoro da minha memória foi o X dos Chicago em prensagem americana. E o Venus and Mars dos Wings. Acrescento que tal experiência, de reprodução de um som antigo, reconhecível imediatamente, é algo inefável e dado a iniciados, penso.

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