sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Outra vez a história da Rolling Stone

Na Primavera de 1975 a revista Rolling Stone estava à venda na livraria Bertrand. Nessa altura já comprava a Rock & Folk, desde Outubro do ano anterior e lá via as referências à revista, numa secção  ( Boogie Woogie) dedicada à recensão de textos publicados noutros jornais e revistas, geralmente ingleses ( Melody Maker e New Musical Express, Sounds) e americanos ( Creem, Crawdaddy e Rolling Stone) . Foi aí que vi e li pela primeira vez a referência a tais revistas e jornais de música e por isso de vez em quando terei reparado na Rolling Stone durante os primeiros meses de 1975. Não muito porque as capas desses primeiros meses de 1975 não mostravam grande interesse para mim, na época. Suzy Quatro, Greg Allman, Loggins& Messina, Led Zeppelin ( esse, sim, com interesse mas uma capa com foto de um concerto), Linda Rondstadt que nem conhecia bem na altura e Roger Daltrey dos The Who. Nada de especialmente apelativo para a época e os gostos musicais da altura. Physical Grafitti, o disco dos Zeppelin,  começou a passar na Página Um no início de Abril de 1975 ( 8 de Abril, eventualmente devido à greve na Rádio Renascença que durava desde meados de Fevereiro e só retomou as emissões em 5 de Abril, para grande desespero meu que todos os dias sintonizava a estação ás 7 e meia da noite para tentar ouvir o programa e só ouvia o ruído típico do rádio dessintonizado...). Porém, relativamente ao disco já lera a recensão magistral de Nick Kent na Rock & Folk de Fevereiro de 1975, copiada do New Musical Express, cujo número também comprei na altura. Isso bastava-me e a Rolling Stone ainda não atingira o estatuto mítico de revista de culto, para mim, por causa do grafismo, das publicidades, dos artigos, etc etc.
A revista em Outubro desse ano, custava então 37$50, quinzenalmente, o que somando aos 50$00 mensais da Rock & Folk ( começara em 45$00 e já aumentara)  dava uma importância mensal substancial para um estudante que ainda por cima fumava e o preço do maço aumentava de vez em quando por mor da inflação galopante.Nessa altura iria, sei lá, pelos 10$00, cada um. Em 1979 chegaria aos 20$00.
Portanto, o número saído com a data de 24 de Abril de 1975 e aparecido por cá cerca de mês e meio depois, suscitou-me a atenção por dois motivos: na capa trazia um actor, Peter Falk, personagem da série de televisão Columbo que tinha passado em anos anteriores na tv portuguesa e cujos episódios não perdia. E por isso folheei, do que me lembro de ter feito e com a curiosidade em apreciar a revista.
Para além da reportagem sobre Columbo/Peter Falk chamou-me a atenção um outro assunto: a investigação do assassinato de Kennedy , então retomada por causa da ausência de explicações cabais da anterior comissão de inquériro ( Warren) a pormenores que ainda não estavam explicados.
Não sei se já tinha ouvido falar no "filme Zapruder" mas lembro-me de ler algumas passagens desse número da revista e observado as fotos e fotogramas do filme. Ainda assim pousei a revista no escaparate e deixei-a ficar, provavelmente porque o orçamento para esse mês estaria esgotado. Foi nessa mesma altura que apareceram alguns volumes de recolha da Pilote e a banda desenhada da Métal Hurlant suscitava-me maior atenção, embora a revista nem aparecesse por cá.

A efeméride que hoje se comemora dos 50 anos da morte de Kennedy trouxe-me estas recordações porque o assunto Kennedy foi sempre interessante, até agora que se conclui praticamente pela ausência de conspiração na origem da morte do mesmo.
Quanto à Rolling Stone foi apenas uma questão de alguns meses até ficar preso aos textos e fotos da revista sobre assuntos musicais e não só. Em Outubro desse ano passei a frequentar a cidade de Coimbra para onde fui estudar Direito e foi lá que comprei o primeiro número da revista que durante esse ano passei a comprar, como verdadeira obsessão. A história já foi contada aqui.
E episódio mais caricato prende-se com procura aturada que fiz, em Setembro de 1975, em todas as livrarias e quiosques de Lisboa, susceptíveis de a terem à venda, ficando com a frustração de a não encontrar em lado nenhum. Acabei por encontrar um número avulso, amarrotado e apenas com a capa e contra-capa num depósito de lixo num parque de campismo, por trás do estádio universitário de Lisboa, onde ficara então, alguns dias, numa época em que tal parque era usado pelos turistas que vinham ver o PREC e pelos  retornados que vinham das províncias ultramarinas, prestes a passarem a independentes.
A capa é de antologia e uma das melhores da revista, com uma foto de Mick Jagger da autoria de Annie Leibovitz, a fotógrada que fez muitas reportagens memoráveis para a revista ao longo dos meses e alguns anos que se seguiram.


Esse número da Rolling Stone só muitos anos mais tarde dei conta de que era a edição inglesa da revista porque a imagem da contracapa tem um anúncio publicitário a um álbum dos Manfred Mann ( Nightingales &  Bombers, saído esse ano) e a edição original americana, tem outro anúncio diversos, a uma marca de Tequila- Sauza com uma imagem de uma modelo loira a segurar a garrafa branca.
 Ao folhear virtualmente a edição americana em cd, dei ainda conta que não seria essa apenas a diferença- a edição inglesa tem menos publicidade e a preto e branco e o grafismo apesar de idêntico parece um pouco diferente, inferior porque igualmente a preto e branco. Por exemplo a ilustração da secção de recensão de discos, com uma foto do disco de Dylan,  Basement Tapes, a preto e branco enquanto na americana aparece a cores sépia, próprias da foto e o lettering "Records", a cor ocre. Por isso comprei mais tarde esse número mítico da edição inglesa. Tal como acontece frequentemente, o mito desfez-se no minuto seguinte em que folheei a revista de que tinha visto apenas a capa e contra-capa. Uma edição a preto e branco e inferior à original americana...

Ainda assim, com o tempo conseguir recuperar o número com a capa consagrada a Columbo que é um número mítico e que por isso reproduzo aqui, com parte do artigo sobre Kennedy.
Ainda hoje, ao folhear o papel com cheiro a velho, sinto essa sensação de então ao ver a revista no escaparate, num fenómeno que nunca mais se repetiu porque os mitos são assim mesmo: estão condenados a esfumarem-se com o tempo. Permanece no entanto como uma sensação tão agradável como experimentar uma novidade rara e propiciadora de descobertas intelectuais e artísticas.